Abençoada por uma chuva que lavou as ruas e escadarias de pedra da cidade logo pela manhã, a segunda edição da Semana Criativa de Tiradentes começou animada, com direito a um delicioso café com biscoito servido ao público que compareceu para prestigiar a primeira palestra do dia, no Centro Cultural Yves Alves (rua Direita, 168). Comandada por Felipe Novais, professor de comportamento contemporâneo e CEO da MakerHaus, a palestra “Encantar no mundo contemporâneo: você tem uma fração de segundos e nada mais” instigou quem estava no auditório. O profissional discursou sobre os desafios de potencializar negócios no meio digital, em um mundo que se apresenta ao mesmo tempo em várias telas. E frisou a importância de se criar um conteúdo verdadeiro e valoroso para atingir um determinado nicho, o público-alvo específico, e assim colocar em prática um micro direcionamento eficaz. “Não estamos em uma era de mudanças, estamos em uma mudança de eras. Se antes poucos comunicavam para muitos, hoje muitos se comunicam com muitos”, afirma sobre a mudança estrutural de nossa sociedade digitalizada. “A Semana Criativa é um ótimo exemplo para essa troca de conhecimentos, para sairmos da nossa bolha e aprender coisas diferentes. Estou muito feliz de poder participar desse evento, feito com tanto cuidado e dedicação”.

Durante a conversa, além das pessoas que estavam no auditório, outras puderam assistir a tudo no lounge Casa Fom, um espaço especialmente criado para as transmissões ao vivo de todas as palestras que acontecem no Centro Cultural Yves Alves.

Seguindo a programação, às 11h da manhã, todos os espaços expositivos dedicados à Semana Criativa de Tiradentes foram abertos ao público. No Sobrado Aymorés (rua Direita, 45), os designers Sergio Cabral e Maria Fernanda Paes de Barros mostraram os 18 produtos feitos em conjunto com os artesãos Expedito Jonas de Jesus, Lilia Fonseca, Maria Conceição de Paula, Rondinelly Santos e Wagner Trindade após o LAB 2017, na primeira edição da Semana Criativa. Entre as peças, colheres de madeira entalhadas à mão, tapeçarias com bordados, poltronas com aplicações de pétalas de metal e luminárias com franjas de papel. “Foi um processo interessante pensar os produtos em conjunto. Eu entendi que o acabamento é muito importante, principalmente nas peças menores – como eu costumava produzir peças grandes, entalhava a madeira mas não tinha a preocupação de lixar”, conta Rondinelly sobre as colheres com desenhos que fazem referência à arte sacra. “Absorvemos o trabalho deles e sugerimos novas formas de apresentar os materiais com o quais estavam acostumados. Para o bordado, a proposta foi um suporte novo, que é como uma gaze para fazer o ponto cruz. Já as franjas de papel foram aplicadas nas luminárias”, conta Sergio.

E do outro lado da rua as pessoas puderam conhecer o resultado do LAB 2018, com os produtos criados para essa edição, que reuniu os artesãos Deise e Fabio Reis, Delano Antunes, Maria Laura Resende e Robson Matias com os designers Alfio Lisi, Fernando e Yáskara Jaeger, Luly Vianna e Maria Helena Emediato. “Foi uma troca intensa e divertida, uma experiência completamente fora da nossa realidade, no sentido do nosso processo de trabalho. E queremos dar continuidade a essa união”, conta Yáskara Jaeger. “É maravilhoso ter contato com novas técnicas, criar junto com o outro, respeitar o tempo do artesão, saber escutar. Isso já fazia parte do meu trabalho, mas não imaginava que as imersões seriam assim, foi um importante aprendizado”, contou a designer Luly Vianna, enquanto arrematava calmamente uma peça de tear produzida junto de dona Maria Laura, as duas juntas, atando nó por nó. “Essa mistura com eles (os designers) fez uma saladinha gostosa, tudo o que vem da vida é bem vindo”, conta a tecelã que resgatou repasses (padrões de desenhos do tear) que apendeu com sua avó para criar as tapeçarias de parede e almofadas exibidas na mostra.

Não muito distante dali, no lindíssimo Espaço Raízes (Praça da Estação, 10) era inaugurada A Feira na Rosenbaum, com diversos produtos de design autoral à venda, de expositores vindos de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Entre eles, tecidos, velas, quadros, castiçais, terrários, almofadas e peças do Projeto Sertões. Por lá também foi possível conferir os móveis e objetos criados pela designer Maria Fernanda Paes de Barros em parceria com artesãos da primeira edição da Semana Criativa.

Às 14h, já com um lindo céu azul e ensolarado sobre a cidade, o público presente na segunda palestra do dia pode conhecer a trajetória de 30 anos de união e trabalho do casal de arquitetos Bel Lobo e Bob Neri, sócios na be.bo Arquitetura e donos da loja m.o.o.c. A conversa se desdobrou sobre o livro Vida é Obra, escrito pela jornalista Simone Raitzik, que conduziu o bate-papo. Entre as curiosidades, Bel contou sobre seu início como vendedora em uma loja de roupas e, como mais tarde assinou o projeto de arquitetura dessa loja. E, claro, além da palestra, Bel e Bob também aproveitaram para explorar o que a Semana Criativa tinha a oferecer: “É uma oportunidade única poder conhecer essa cidade e participar de uma evento com tantas conexões e relacionamentos entre artesãos e designers. Estou muito feliz por estar aqui tirando essas pequenas férias criativas”, contou Bel.

Logo depois, a palestra “DIY: Design It Yourself”, com o designer Paulo Biacchi, sócio do estúdio de design FETICHE® e um verdadeiro representante do Movimento Maker, colocou as pessoas para pensarem a posição que o designer ocupa. De forma descontraída, Paulo contou um pouco de sua trajetória e explicou o momento em que percebeu que não queria mais um papel distante de quem consome, afinal, o design não deve ser exclusivo, para poucos, e sim inclusivo. O profissional também falou sobre seus projetos para TV e internet (canal Tente isso em Casa, no YouTube) em que ensina as pessoas a fazerem objetos e pequenos móveis de forma descomplicada, para que todos possam ser os designers de seus próprios produtos. “O designer não pode ser visto como um deus. A beleza é para todos, às vezes ela apenas não está acessível”.

Por fim, o panorama “Arte, Ficção e Realidade”, que encerrou o programa de palestras, se debruçou sobre o trabalho do artista plástico alagoano radicado em Recife Jonathas de Andrade, que mistura em suas criações pesquisa histórica apurada, fotografias, vídeos, instalações, recortes, sobreposições e textos a respeito de questões-chave da brasilidade a partir de uma poética nordestina, percorrendo a memória coletiva e histórias de vida para reconstruir uma narrativa pessoal.

E o dia foi lindamente encerrado com a Abertura Oficial da Semana Criativa de Tiradentes com o Trio Áurea, na Igreja Matriz de Santo Antônio. O concerto de flauta, órgão e voz, formado respectivamente por Salomé Viegas, Maria Amélia Viegas e a soprano Márcia Silva, encantou o público presente e fechou com chave de ouro o primeiro dia da SCT 2018.

Em tempo: durante todo o dia, a cidade foi agraciada com diversos eventos bacanas que aconteceram em paralelo à Semana Criativa, como a abertura da mostra de decoração Casa Mineira, idealizada e organizada pela ASSET (Associação Empresarial de Tiradentes), com móveis e objetos de artistas e artesãos que vivem na cidade. E, na loja Marcas Mineiras, destaque para \a exposição Estandartes do Curtume, sob coordenação da artista mineira Ana Vaz, quem também apresenta a Coleção Molas, fruto de um trabalho têxtil desenvolvido a partir do arame de cobre, tramado como um crochê.

Amanhã tem mais!

crédito de fotografia: Helena Leão