Tivemos uma rápida conversa com a arquiteta e urbanista Gabriela de Matos, uma pequena degustação das reflexões e contribuição do seu olhar sobre temas tão urgentes, como o apagamento da mulher na arquitetura, mercado de trabalho e a pauta recente dos monumentos que reforçam a história hegemônica branca e masculina. Gabriela estará presente na Semana Criativa de Tiradentes, na roda de conversa “A força feminina na arquitetura”, no sábado, 17/10, às 15h30.

Como foi receber o convite para participar da Semana Criativa de Tiradentes?

Me sinto honrada de poder contribuir com a Semana Criativa de Tiradentes. Primeiro porque, enquanto mineira, vejo a importância de eventos como o da Semana Criativa para colocar uma agenda da produção mineira em foco em uma perspectiva da produção criativa nacional. E segundo porque, a presença de mulheres negras nestes espaços de promoção e visibilização de saberes, ainda é muito aquém do esperado para um país com características étnico raciais como o nosso. Fico feliz de poder representar uma parcela das mulheres negras que se sentem representadas pelo meu trabalho.

Você estará na roda de conversa a força do feminino na arquitetura, e quero levantar uma questão: Ano passado a historiadora Silvana Rubino, publicou um artigo, no qual conta como a atuação feminina foi deixada de lado ao longo da história, tanto por prêmios, quanto pelo mercado. Existem alguns estudos sobre as dinâmicas desse apagamento, muito deles, em torno da estrutura patriarcal, há outras camadas complexas que precisam ser enfatizadas?

Sob a minha perspectiva, a análise desse apagamento que tem em si, somente uma crítica pautada no gênero, ela falha fundamentalmente. Principalmente em um contexto como o nosso, brasileiro. A questão de raça deve ser transversal à questões de gênero e de classe. Para isso, eu sugiro uma observação: quantas arquitetas e urbanistas negras podemos encontrar nas mostras de design, nas revistas, a frente de grandes escritórios ou em sala de aula? Pouquíssimas ou nenhuma. Ou seja, temos uma falha grave aí.

 No mercado de trabalho atual qual sua opinião sobre a condição da arquiteta?

O CAUBR lançou um diagnóstico sobre a questão da arquiteta e urbanista no Brasil, e chegou nas seguintes informações que eu considero relevantes para a nossa conversa aqui:

Temos 78,14% de arquitetas brancas, 18,14% de arquitetas negras e pardas, 1,76% de arquitetas orientais e 0,21% de arquitetas indígenas. Neste mesmo diagnóstico, notou-se que as arquitetas negras são as que mais sofrem assédio no ambiente de trabalho e que homens brancos chegam a receber quase o dobro do que mulheres negras. Já entre arquitetas negras e arquitetas brancas, encontramos uma diferença salarial de R$ 1.469,85.

Sueli Carneiro, em seu livro Racismo, Sexismo e Desigualdade Social, no capítulo intitulado “Nós”, ressalta a diferença da realidade de mulheres brancas e mulheres negras. E diz “ Para que as mulheres negras alcancem os mesmos padrões salariais das mulheres brancas com quatro a sete anos de estudos, elas precisam de mais quatro anos de instrução, ou seja, de oito a 11 anos de estudos. Essa é a igualdade de gênero e de raça instituídas no mercado de trabalho e o retorno que as mulheres, sobretudo as negras, tem do seu esforço educacional”.

O mercado de trabalho atual precisa entender que não existe “a arquiteta”. Não existe somente um perfil. Temos arquitetas negras, indígenas, brancas, orientais, trans… cada uma delas ocupa um lugar nesse mercado. Espero que cada vez mais o mercado e as instituições ligadas ao campo de conhecimento da arquitetura e do urbanismo, assimilem essas diferenças e trabalhem para igualar oportunidades de trabalho e condições salariais.

Recentemente colocou-se em pauta os monumentos que reforçam a história hegemônica branca e masculina. De que forma esse movimento colabora para um olhar mais democrático e nos faz repensar os espaços que vivemos?

Trazer a questão dos monumentos à tona é muito importante para compreendermos que existe uma narrativa única sendo contada há muitos anos. E que enquanto país, fomos construídos com base nessa narrativa, que exclui propositalmente povos negros e originários. Entendermos e debatermos sobre isso, é um grande passo para iniciarmos uma a desconstrução dessa narrativa excludente e avançarmos para a construção de uma narrativa que dê conta de contar nossa história sem privilégios e sem ficção.

Sobre a arquiteta: Formada pela FAU da PUC-MG, é especialista em Sustentabilidade e Gestão do Ambiente Construído, pela UFMG. Fundou o projeto Arquitetas Negras e tem como objeto de pesquisa o racismo estrutural e suas influências no planejamento urbano e a arquitetura contemporânea produzida em África.